Em apenas quatro meses de governo Lula, já está mais que óbvia a mudança dos ventos que sopram as velas da política externa brasileira. Ainda longe de uma política revolucionária, o governo eleito em 2022 abandonou a submissão vergonhosa que imperou no Brasil desde 2016 e que se intensificou no mandato de Bolsonaro (2019-2022). Retomando a tradição de nossa diplomacia, o Brasil busca adotar uma política externa mais equilibrada, pautada na neutralidade, resolução pacífica dos conflitos, defesa da paz e da igualdade entre Estados — tal qual preconiza o art. 4º de nossa Constituição Federal —.
Nessa toada, o governo brasileiro já informou as embaixadas dos EUA, Austrália, Japão e Canadá que a exigência de vistos voltará no dia 1º de outubro, tendo em consideração que estes países também exigem a aprovação de vistos para a entrada de brasileiros em seus territórios. Dessa forma, o Itamaraty enterra a medida antinacional inaugurada por Bolsonaro que, em nome de um aumento da arrecadação do turismo brasileiro, deixou a dignidade nacional na garoa, permitindo que cidadãos dos países supracitados adentrem o território nacional sem a aprovação de vistos, mesmo que a recíproca não seja verdadeira.
A embaixadora estadunidense Elizabeth Frawley, em conversa junto ao deputado Paulo Alexandre Barbosa (PSDB-SP), presidente da Comissão de Assuntos Exteriores da Câmara, disse que solicitou ao governo dos EUA o aumento do efetivo nos consulados do Brasil para reduzir as filas dos vistos de brasileiros. No entanto, defende que o Brasil reveja sua política de reciprocidade e continue a não exigir vistos para cidadãos estadunidenses. Segundo a embaixadora, utilizando o mesmo argumento do ex-presidente Jair Bolsonaro, de que essa medida é necessária para incentivar o turismo tupiniquim.
Há quem acredite que a embaixadora se preocupa, de fato, com o turismo brasileiro. No entanto, este que vos fala não é tão ingênuo.
A nova velha política externa brasileira
Neste novo mandato, o presidente Luís Inácio “Lula” da Silva retoma a política externa inaugurada pelo PT, a mais altiva da Nova República. Essa retomada, que rompe o entreguismo bolsonarista, não é uma mera reedição do primeiro e segundo mandatos de Lula como presidente, pois enfrenta um mundo diferente da primeira década do séc. XXI: a emergência da China — não mais como promessa, mas como realidade — somada a guerra russo-ucraniana, desenham um novo cenário que o governo petista tenta navegar. É um novo tempo, como anunciou a banda marcial na recepção do presidente Lula na China.
No novo tempo
Ivan Lins
Apesar dos castigos
De toda fadiga
De toda injustiça
Estamos na briga
Pra nos socorrer
Na visita à China, Lula discursou na cerimônia de posse de Dilma Rousseff como presidente do banco dos BRICS, reafirmou sua posição contra a dolarização do comércio global; a resolução consensuada da guerra ucraniana e se colocou contra a chantagem econômica dos organismos financeiros internacionais (como o FMI e Banco Mundial). Além disso, no encontro com Xin Jin Ping, assinou mais de 15 acordos entre Brasil e China em diversas áreas estratégicas.
Os perigos de um caminho independente
Esses acenos da política externa brasileira, que apontam para seu afastamento dos EUA e do imperialismo em seu conjunto, demonstram, mais uma vez, o real caráter do governo eleito em 2022. Longe de ser um “enviado de Biden”, Lula tenta costurar uma política independente, preservando os interesses estratégicos brasileiros, mesmo que limitado externamente pela pressão imperialista e internamente pela burguesia dependente brasileira. Já se prepara, em solo nacional, planos dentro de planos para que o Brasil não desafie a hegemonia estadunidense. Esse é o grande calcanhar de Aquiles da política petista: Sem uma base social forte e mobilizada, qualquer plano mais audacioso está fadado a cair como um castelo de cartas.
Neste sentido, é preciso recuperar as lições do golpe de 2016, da perseguição ao presidente Lula e todo o clima gestado pela mídia, judiciário e outros setores vinculados a Washington que demonstraram, de forma explícita, que sem força social mobilizada não há projeto político sólido, seja interno, ou externo.
A retomada da altivez em nossa política internacional é um passo importante, corajoso, de horizontes largos e profundos, digno do tamanho de nosso Brasil. No entanto, seja para enfrentar o Banco Central autônomo, ou realizar parcerias estratégicas com os países do BRICS, o poder que controla o Estado brasileiro precisa se originar em nosso país. E para que isso ocorra, é necessário mobilizar — permanentemente — as classes populares, as únicas que possuem uma vinculação direta com o sucesso da nação brasileira. Apostar na institucionalidade da República de 1988, é repetir o erro que desabrochou no golpe de 2016.
Levando a mensagem de nossos parceiros chineses a sério, “é um novo tempo, apesar dos perigos”. Mas, a luta ainda não acabou “contra a força mais bruta da noite que assusta, para sobreviver”.